Sobre sentir e deixar de
Acho graça quando vejo que para alguns sou insensível. Eu que transbordo em palavras e quase nunca falo. Eu que sou capaz de chorar compulsivamente com uma música. Eu que já achei sentir "errado" e me certifiquei que não existe erro, são só caminhos diferentes. Duas vezes precisei não sentir nada para acreditar que poderia voltar um dia. Por duas vezes fechei a porta atrás de mim, me coloquei diante das provas que eu mesma criava para notar que uma lembrança já não me doeria mais. Assistir "antes do amanhecer" ou ouvir uma especifica música dos Beatles, sem nada disso me afetar. Abraçar alguém que um dia já foi tanto e não me importar com o cheiro que fica em mim.
Outra vez tive que reconstruir mais. A pouca autoestima de uma adolescente que já sabia: estava fadada a viver para dentro. Me fechei mais, me ferrei mais. Mas, hoje de tanto sobrou nada que já não consigo transformar em palavras.
Realmente, tenho uma pré-disposição a pequenas aventuras impossíveis. Talvez ame o que não conheço já que conhecer pode trazer junto uma série de outras coisas. Talvez não ame pelo simples fato de não banalizar o sentimento, a palavra, o momento. Gosto intensamente, gosto sem dúvida, gosto sem pesar. Gosto e não quero o desgosto de não ter mais. E, para não correr esse risco, me cerco das certezas que consigo controlar. Me dedico ao trabalho, me escondo nos livros, crio uma relação sutil com a música, visito minha imaginação no cinema. Vou vivendo uma vida inteira sentindo ao contrário, com uma grande desconfiança nas pessoas e sempre atenta ao fato que vivo disposta a não querer mais.