quarta-feira, outubro 27, 2010

Antes dos créditos finais

Meu tempo mais bem gasto é dividido entre livros, música e filmes. Passo um dia inteiro feliz andando de pijama pela casa enquanto troco as faixas de um disco que me pegou por inteiro. Vivo uma tarde plena sem sair do lugar, deitada na rede vendo a vida se fazer em letras miúdas, todas sempre são, minha míope é um fracasso. Uma madrugada é sempre mais calma com um bom filme para ajudar a desligar a cabeça do cotidiano.

Troco uma noite insana por paz nessas três doses. Caio Fernando Abreu tem uma frase que diz algo sobre viver uma vida inteira para dentro enquanto lê, ouve música, escreve ou assiste filmes. Mas, para mim é justamente o contrário , é quando vou para fora e sei que não existe perigo. Me visto com um alterego e me cubro de invisibilidade. Transito entre várias vidas sem correr o risco de não estar em nenhuma, é simples o fato de não precisar estar.

Me incomoda a incompatibilidade, as pequenas discussões frívolas, os assuntos desencontrados. Me fascina uma dessas histórias de amor cheia de mistérios e frases fortes. Me interessa o sarcasmo, a ironia, a hora certa de ser errada. Só que no fim, todo mundo quer ser a mocinha enquanto admira mesmo é a garota vestida de charme. Nos filmes e, na vida real, a mocinha é sempre quem se dá bem no final.

Vivo com o desprendimento de quem não se importa com o final desde que a trama me envolva, por inteiro, no decorrer dela. Hoje durmo com palavras contidas, queria falar e ver no que poderia dar. Enquanto isso: nada. (já quase sobem os créditos e a gente ainda tá aqui)

segunda-feira, outubro 25, 2010

'cause all that's left has gone away

Tem horas que a vida me dói e outras que é pura alegria. Me sinto plena com pequenos prazeres. São poucos os que se fazem necessários. São poucos os números para os quais me interessa ligar. São poucas as mãos que gosto de segurar. São poucos pensamentos que me interessam escutar. Sou das exceções e me esforço para entender o todo. Não quero ser injusta com o que não entendo, quero viver com o respeito que suplico que tu também tenhas com a minha diferença. Não quero germinar indiferença e encher o meu jardim de ervas daninhas. Não adianta arrancar, elas sempre crescem outra vez. Por preguiça ou precaução, não quero germinar isso tudo uma outra vez. Recomeçar pode tirar de mim algo que não posso viver sem. Clarice disse um dia: tome cuidado ao cortar até os próprios defeitos, nunca se sabe qual deles sustenta a construção inteira. Um dos meus defeitos é o demais. Ouço uma música, a mesma, uma hora inteira. Choro em quase todos os filmes, por mais banal que ele seja. Transbordo e não falo. Gosto e não me entrego. Pelo gosto do silêncio, sempre me fascinou o mistério. Li Sherlock Holmes porque gostava dos enigmas. Sem notar fiz de mim um deles, fico aqui resolvendo as equações que criei, decodificando os pensamentos em textos.

E então, o rapaz me crítica, diz que sempre fui um enigma e que a insegurança não o fascina. Não consigo pedir desculpas, apenas admito que não vou mudar e juntos concluímos que não vai dar.

Eu realmente preciso de alguém disposto a me deixar ser... o que for.

domingo, outubro 24, 2010

you were burning up, black and grey


Acho estranho o jeito que seu tom de voz não muda. Como parece que encontrou a calma mesmo quando se agita com seus pensamentos falando alto. Acho incrível como você fala fala fala e parece surpreso quando te interrompo com uma pergunta pontual. "O que você quer?", saiu alto o meu pensamento reprimido. "Ser o que sou", sua resposta é rápida. Penso em falar como você é tão você que pode ser tantos para não ser mais um. Mas, me contenho, guardo mais uma vez os meus pensamentos, te entrego um dos meus defeitos. Não falo o que sinto, tenho medo de deixar alguém entrar em um lugar tão meu que não sei se posso dividir. Embora, pense que poderia. Poderia deixar você tocar na minha vida, guardar os meus pensamentos em silêncio enquanto observo a sua calma.

Você aparentemente não muda. A menos que beba uma garrafa inteira de whisky e misture isso com outras coisas. Seu tom é calmo, suas palavras, poucas. Mesmo com todo o álcool da madrugada, sua mudança é sutil. Vejo no seu olhar fixo que você ainda está aí dentro. Continua sendo milhares, continua não sendo nenhum. Gosto de sentir que você está confortável ali, mesmo que seus pensamentos estejam rápidos, seus medos evidentes, suas mãos inquietas. Te sinto confortável ao meu lado enquanto observo seus movimentos cansados. Os outros te pedem tanto, te cobram tanto, querem tanto e você quer ser alguma coisa além. Quer tudo e quer logo. Agora, em silêncio, te pergunto: quanto querer ainda cabe aí dentro?

sexta-feira, outubro 22, 2010

"mistério stereo que eu te cantaria"


Uma parte de mim quer serenata, calmaria e paz. Mas a outra quer caos, uma paixão que não se transformará em amor, um rolo de primavera que não chega ao verão e que esvazia no inverno. Uma parte é poesia e a outra é prosa. Uma parte é poesia e a outra despreza a rima. Uma parte quer explicação e a outra desconstrução. Uma parte quer o racional e a outra não se importa com responsabilidade.

Te mostrei que sou várias. Te contei que meus personagens não existem, não projeto no futuro o agora, faço das minhas histórias pura ficção. Fujo do destino enquanto me escondo atrás do muro do efêmero.

Mas ele passa, tudo passa enquanto eu espero o que não sei se pode ser. Você passou do ponto de ser incompreensível para ser algo além. O que? Eu já nem sei.

domingo, outubro 17, 2010

não é (só) de agora

O mar é infinito, o horizonte aponta sempre um novo começo, o fim é só o ponto onde você não chegou. Para frente e avante, desbravador dos sete mares, com respeito a iemanjá. Do mar o que é dele, ao homem o que do homem: a posição de minúsculo ser em um lugar cheio de tudo.

Tem horas que me sinto mar, sou marola e maremoto, meu humor é o vento que agita os sete mares. Não acolho canoa e nem deixo entrar barco pequeno, não recebo bem os intrusos, não deixo quem não sabe nadar, brincar. Jogo com a vida, me mantenho alerta, sou paz e paciência, sou grito e intolerância, sou extrema. Sou muitas para ser uma só.

Mas, respeito quem pede a graça de iemanjá antes de mergulhar. Acolho barco preparado, pessoas abastecidas com vida vivida, sou democrática e não cobro a entrada. Deve ser por isso que você entrou, com tantas qualidades escondidas e levou lá para o fundo a paz que guardei aqui, na beirada, sentada. Peço a graça de iemanjá para desbravar o seu mar. Posso entrar, rainha do mar?

terça-feira, outubro 12, 2010

o que não pode ter


Gostava do seu sorriso quando me dizia que estava com frio. Da sua mania de dormir de meias que te davam um ar de inocência quase infantil. Gostava de sentir que o mundo poderia acabar enquanto estávamos guardados dentro do nosso castelo erguido em cumplicidade. Éramos cúmplices de pecados que não se confessam, éramos aliados criando uma história, escrevendo um livro, filmando um conto, aumentando os pontos.

Sempre gostei dos jogos, da tensão, do desafio, de te segurar com força e depois te soltar devagar enquanto sentia que você queria estar nas minhas mãos. Mas, por birra, ia até a sala fazer algo que não importava. E daí, a vida me fez querer voar de novo. Você não entendeu que só precisa respirar, abrir a porta da nossa cumplicidade, testar os meus limites, encontrar um novo desafio, por capricho, eu precisava sair. Fui e quando voltei notei que já não dava mais para ficar. O seu conforto me pareceu clausura. Foi você quem não notou que eu precisava de compreensão e só me ofereceu perguntas.

segunda-feira, outubro 04, 2010

ich verstehe nicht



Me desespera a calma, as milhares de obrigações, o que poderia ser uma paixão e se acaba por precaução. Poderíamos tudo se estivéssemos sozinhos. Poderíamos desenhar um novo mundo onde o tédio se transformasse em melodia. Seríamos sempre desafio para nunca cair na mesmice. Seria sua segurança mais insegura só para olhar você se mover em busca das minhas mãos. Como um gato, desconfiado, porém amoroso na medida do impossível. Queria te sentir por perto, pensando se é pelo conforto ou pelo cheiro. Se sou apenas uma projeção dos seus desejos oprimidos ou se sou a mudança deles. Queria segurar suas mãos no escuro e soltar o pensamento.

Quero sem sentido, sem razão, quero pelos instantes de um agora ou pelo tempo do desconhecido. Quero o que desconheço em você, quero encontrar novos caminhos para os mesmos prazeres, quero desfazer os medos e transformar a vida em caos, sem perder a melodia. Quero sentir tudo como se o sentir pudesse destruir os meus sentidos...


We might make out when nobody's there
It's not that we're scared
It's just that it's delicate
Damien Rice