Expectativas
A música era muito alta, as pessoas precisavam falar ainda mais alto e cada tom acima do normal fazia da cena, caótica. Ele olhava as mãos dela sobre o colo e se sentia acolhido dentro daquele olhar sereno. Já não existia algo entre eles, porque João conseguiu reverter todas as certezas em dúvidas, não conseguiu se desgrudar da sua própria liberdade para compartilhar com ela os seus sonhos, os seus anseios, as dúvidas.
O que João queria de Marina não existia.
Esperava que ela o surpreende-se, Marina que nunca sabe onde deixou as chaves e o pedia todos os dias para deixar o apartamento aberto, não percebeu que ele queria surpresas. Esperava que ela falasse dos seus sentimentos, Marina que vivia espalhando cds pela casa, mas ele não percebeu que era essa a sua forma de falar. Esperava que ela ficasse brava após uma discussão, Marina que parecia ter um estoque dos chocolates preferidos dele, e sempre deixava alguns pela casa após as discussões. Esperava que ela gostasse de músicas tristes, Marina que adorava sair para dançar, e até o acompanhou em um show que detestou. Esperava que ela não fosse tão inteligente e o fizesse se sentir estúpido, Marina que falava quatro línguas e conhecia metade do mundo, se esforçava para parecer menor ao seu lado. Esperava que ela não dormisse de meias todas as noites, Marina que não sabe dormir sem elas desde os cinco anos de idade, João não notava que ela esperava ele dormir para vesti-las. Esperava que ela não perdesse horas na frente do computador, Marina que sempre adorou assistir séries e filmes com seu notebook nas pernas, João não soube que ela pensou em vender o computador. Esperava que ela não fosse tão feliz, Marina que descobriu cedo o valor do seu lindo sorriso, João não notou quando perguntaram o que havia acontecido com a alegria dos seus olhos e Marina sorriu para escapar da resposta, antes que ele pudesse ouvir a conversa. Esperava que ela conhecesse a tristeza e vivesse dias na escuridão, Marina que não conhecia dor até trombar com João e achar que poderia se adaptar.
João queria se desculpar com Marina, contar que seus olhos ainda eram serenos e por isso continuava esperando dela, a cumplicidade. Queria contar que se sentia egoísta porque ela estaria melhor longe daquilo. Talvez, encontrasse alguém que pudesse querer dela, o que poderia dar. Músicas substituindo algumas palavras, chocolates no lugar de rancor, alegria em noites coloridas mesmo que fosse durante um filme debaixo do edredom comendo pipoca doce, a inteligência e o silêncio, um verdadeiro desfile de meias coloridas, spoilers de muitas séries que demorariam décadas até chegar no Brasil, sorrisos iluminados pela pureza que ele quase conseguiu apagar.
João queria ver Marina feliz, mas sabia que não podia sentir nada perto dela além de calma, só que ele não queria isso. Precisava encontrar em alguém tudo que Marina não tinha. O rancor, as palavras, as mesmas músicas tristes, conhecimentos menores que os seus e os olhos tristes. Ele sabia que Marina poderia se tornar tudo aquilo, mas era justo querer Daniela no corpo de Marina?
ps. ficção.