domingo, julho 22, 2007

CORPOS

Queria entender tudo. Encontrar minha paz na minha santa insanidade. Não me preocupar com as verdades do mundo. Criar meus códigos e ouvir os seus. Pintar meu quarto de roxo e me embebedar do cheiro da tinta disfarçando o seu que ficou aqui. Mostrar as suas fotos pros meus filhos daqui 5, 10 anos e nada daquilo tudo doer. Queria andar por todas as ruas dessa cidade e te expulsar da minha cabeça por 30 segundos inteiro. Cada arranhão das paredes parece os da suas unhas no meu ombro.
O coração jorra sangue e molha todos que passam ao meu lado. Assisto seu corpo andar e no meu peito um desespero vazio. É como se eu gritasse e não saísse nada. Como se andasse e tudo a minha volta continuasse igual. Só você tatuado no meu cérebro.
Joguei meu coração na sarjeta e achei que você fosse se abaixar para pegar. Não olhei, esperava você correr e cutucar meu ombro. Você não fez daquela vez. E não fez hoje.
Sai da sua casa com uma música tocando ao fundo. Você não me pediu para voltar. E nem ligou para me dar sua respiração embaraçada. Não tem desespero em você, assim como não há amor, a indiferença me corroí a alma. O seu gosto me empresta algumas mentiras pelas quais sou grata. Sonhava com você me pedindo para ficar. Seus braços me protegendo da vida enquanto ela me obrigava a enxergar através da janela. Sua mão sobre meus olhos filtrando as imagens. Suas mãos apanhando meu coração daquela sarjeta. Mas não. Você nunca fez nada disso. Um produto maldito da minha imaginação. Você, todo fantasia, não existe. Nunca existiu e vai continuar sem existir.
O asfalto lá fora sustenta a mentira do mundo. Embaça a visão. Poderia fritar um ovo no que escorre do meu coração naquela sarjeta. Aquilo fervilha, enquanto aqui, quase morro de frio.
Tremo enquanto tudo isso se passa na minha cabeça. Agora, você assobia, anunciando sua chegada na porta da minha casa. Penso em ficar quietinha e fingir que não estou. Querer isso seria meu maior presente. Não aceitar que você faça comigo o que jamais permiti a ninguém. Te dei o que mantive sob sete chaves. Abaixei as paredes ou você atravessou-as enquanto me distrai. Acreditei em mim, durante muito tempo. Até cometer esse terrível engano e o seu coração começar a bater, ao meu lado, tão alto e me tirar o sono.
Ninguém nunca me viu assim. Simplesmente, porque eu não sou, assim. Sinto muito por toda mentira que te emprestei.
Fecho a janela e me escondo atrás da porta. Não peço pra você ir, porque minha boca não responde aos meus comandos, mas não te quero aqui. Não, por hoje.
Vou me arrumar e sair para comer alguns corpos. Alimentar o falso para aceitar o real. Vai e volta mais tarde. Vai e talvez não volte. Vai, enquanto resgato meu coração daquela sarjeta. Jamais deixarei que isso aconteça de novo. Vou respirar a fumaça, me emprestando o oxigênio que você teima em me tirar. Filtro por lá todos meus medos, anseios e nervoso. Tremo e fico molinha em questão de segundos.
Serei minha até segunda ordem. Minha. Minha. Minha.
E hoje, só alguns corpos, por favor.