quinta-feira, julho 26, 2007

SEM A SUA FALTA

Cada acorde rasga um pouco mais minha alma. Uma voz vestida de fantasia para embalar uma guitarra destoada. E minha vida toda começa a respirar nesse quarto. Como se por um longo período ela estivesse regada a algo que a fizesse respirar de maneira artificial. Ignorei por muito tempo a necessidade de amar. Seguia dia, menos dia, a repetição das minhas piadas. Deixar as pessoas me quererem para depois de súbito notar que não seria delas. Nunca consegui ser de ninguém. Talvez, porque estivesse esse tempo todo pregada a um monte de mentira.
Essas palavras me emprestam sentido e me envolvem de ficção. Chega um momento em que eu deixo de ser eu. E um personagem qualquer, respira minhas falas. Como em um filme antigo na tv. Sem efeitos especiais as coisas acontecem, sem ensaio, quase sem fala. Escárnio da minha realidade.
Os seus olhos me emprestaram calma. E eu senti que tudo poderia desmoronar, se a minha única garantia fosse poder segurar as suas mãos. A sua melancolia misturada a minha. Nossos medos juvenis em comunhão de desgraças. Alguns sonhos pintados no meu quarto. Minha cabeça descansa no seu colo. Seus dedos bobos brincam com meu cabelo. Você enrosca a sua falta de jeito a minha vida e tudo parece ter encaixe perfeito. De repente eu sou a sua mulher. E você só precisa ser meu homem. O resto a gente descobre como faz. O resto não interessa se depois eu ainda tiver o seu olhar.
Conversamos no tom exato. Nem alto, nem baixo. Nem direto, nem indireto. Temos a medida exata para isso funcionar. Conservo seus sonhos amassados dentro de uma caixinha ao lado dos meus. As nossas promessas ainda pairam sobre o ar. Tatuei o seu olhar no meu cérebro e o seu nome no meu braço, mesmo sabendo que não é para sempre. Machuquei meus lábios. Apertei meus olhos enquanto olhava suas costas.
Você saiu pela porta e não voltará tão cedo, eu sei e você sabe. A minha saudades escorrega pelas paredes do quarto enquanto desço as costas por elas. Encontro o chão. Abraço minhas pernas. Descanso minha cabeça sobre meus joelhos. Penso em você aqui, com os dedos atrapalhados sob meus cabelo. Com os olhos mais ternos e tristes.
O silêncio grita aqui dentro. Meu coração todo fodido procura paz em outros corpos. Meus medos estão trancados no armário. E os meus sonhos descansam na caixinha ao lado dos seus.
Me visto de mulher. Levanto o zíper da bota. Prendo o cabelo. Não vou esperar você trazer de volta o tempo. Andarei por ruas e avenidas atrás do seu cheiro misturado a qualquer corpo. E hoje, só por hoje, a sua falta será esquecida.