domingo, maio 20, 2007

PASSADO, PRESENTE, FUTURO

Cidade fria. Ar sombrio. Fantasmas. Felicidade em pó. Momentos instantâneos. O nada que não ilumina. O tudo que dá aquela mesma sensação de nada ter. Fico aqui, hoje, sentada escrevendo minhas palavras todas, com uma dor de garganta chatinha e os pensamentos flutuando em várias pessoas que desconhecem fazer parte de mim. Eu sou assim, quietinha, tímida embora muitas vezes possa não parecer. Falar é o meu jeito de não me prender aqui dentro tão fundo que não ache nunca mais a saída. Escrever é o jeito que encontro pra ficar nas pontas dos pés e olhar pra fora deste buraco que sou eu.
Não adianta falarem que é drama. Talvez seja mesmo. As vezes, só as vezes, gosto dos meus probleminhas enfileirados, das minhas neuras e de todas as minhas crises que bebo diluídas em álcool quando tento esquecer por uns instantes quem eu realmente sou.
Sem grandes dúvidas. Dezoito anos. Nenhum emprego. Alguma vontade de arrumar um e a crença de que não quero vender meu cérebro, troco horas por reais, desde que meu cérebro continue propriedade privada e só estuprado por vocês, meus fantasmas. Venham a mim todos vocês. Armados até os dentes com meus medos todos. Vamos nos enfrentar nesta noite fria. Eu dou as cartas. Acomodem-se. Sentem-se. Sirvam-se do vinho da mesinha. Não toquem no meu teclado, nem cheguem perto dos meus livros, larguem meus cds. Tirem as mãos de mim. Não me toquem, obrigada. Não, não, não fiquem perto. Falem de longe. Sem mãos, sem gestos grandes demais. Cuidado, não derrubem nada. Não sei o que sustenta o alicerce.
Ouçam, este é o tiro inicial.
O passado. Você filhodaputa que aparece todas as manhãs solitárias. Você que teima em me lembrar o quanto foi boa a vida que tive. O quanto era bom ser criança. Você que me lembra todos que passaram. Você, filhodaputa, que me traz ele, eles, todos eles enfileirados em lembranças. Os rostos, os gostos, os gestos. O gasto. Passado, vai. Mas vai pra longe de mim e me deixe viver sem lembranças. Nas manhãs frias só me contemple com cheiros, porque eu gosto de cheiros, não dele, nem de nenhum deles. De flores, da natureza morta e a viva que estão tão longe agora.
Presente. Você que não me deixa dormir. Você que não larga a mão do futuro. Você que teima em queimar etapas. Seu filhodaputa. Presente, você não deve ser assim tão apressado. Larga a mão do futuro e me deixa viver uma coisa de cada vez.
Só sobrou o dono das minhas tardes e das minhas aulas noturnos. O futuro. O que não consigo enxergar. Pro qual não tenho planos. Nenhum. Talvez só uma vaga idéia na cabeça e um gosto ímpar pelos dedos no teclado. Futuro, se apresente e represente. Se mostre, me mostre, me guie e faça de mim o seu melhor emprego. Futuro. Caminhemos um ao encontro do outro como todas aquelas coisas mágicas e inexplicáveis que vejo em filmes.
Vocês três se revezando em um compasso desigual. Mudam minha vida a cada respirar. Isto quando me deixam respirar. Quando um de vozes não resolve parar bem no meio da minha garganta. Travar minhas palavras, guiar meu olhar, confundir meu coração. Como vocês conseguem fazer isto tanto e tão bem? Só tenho a certeza de que um dia enfio tudo isto numa garrafa e bebo vocês de uma vez só. E neste dia. Passado, presente e futuro se dissolverão num momento bom. Enquanto isto não chega. Continuo aqui, com uma dor chata, ouvindo alguém cantar minha vida numa voz que me arrepia a alma. E sem você. Onde está você? Só queria o seu cheiro pro passado exalar amanhã pela manhã. Só.