quinta-feira, janeiro 17, 2008

A DOR ENTÃO,

Sem explicação. Só isso. Foi essa coisa sem sentido que senti quando abri o orkut e tinha um testimunial diferente. Pensei que era piada. Ela sempre faz piada e a gente se encontrou há 10 dias e eu perguntei dele. Achei que fosse brincadeira. Daí você procura o profile e vê que a brincadeira é verdade e hoje faz uns 25 dias. O que eu senti? Não o mesmo de quando minha mãe falou que ela tinha ido. Porque a gente esperava. Sabia. Via dia após dia acontecer aos poucos debaixo dos nossos olhos longe das nossas mãos. Sabíamos que mais cedo ou menos tarde acabaria e o choro seria de tristeza e alívio. Não havia mais força para continuar por muito tempo. Nem a dela e a nossa dava sinais de fracasso. Lidar com a morte dá aquela cotidiana sensação de fracasso. Acordava e passava as tardes no técnico esperando um telefonema no qual alguém falaria: "vem pra casa, ela foi". Foi isso. Um dia o celular tocou, alguém me pediu para ir para casa, sem falar porquê. Eu sabia. Então, entrei no ônibus preparada para encontrar as pessoas na sala. Meu pai no telefone. Minha mãe fazendo café para irmos. E fomos. A noite no cemitério. Pessoas chegando, indo, alguns chorando. A raiva de toda família que eu tive por ela. Raiva com as lágrimas que eu derramava em silêncio. A falsidade. Meus primos que jamais souberam quem ela foi gritando e montando o circo da dor. Como se dor precisasse de circo e nos tivéssemos que ser o espectador.
Dei um jeito de ir até em casa. Dormir, tomar um banho, trocar de roupa e ver se era verdade. Só quando fechou o caixão e meu pai segurou em um dos lados carregando a irmã dele. Ele que a carregou pelos corredores de hospitais. Que guiava o carro enquanto minha mãe segurava a mão dela gritando de dor. Meu pai, que segurou a corda quando todo mundo deixou que ela naufragasse sozinha.Eu gosto da família do meu pai? Não. Não gosto. De um deles. Um deles que é irmão do meu pai. O resto são laços consangüíneos desses que você consegue em um banco de sangue. Tipo a, b, o. Não importa. Eles não importam. Não gosto. Não vou gostar, porque é dela que eu lembro quando olho nos olhos deles. Ela que poderia ter estado sozinha quando pedia para uma garota de quinze anos: "me ajuda". E uma garota de quinze anos. Corria atrás de ajuda. Atrás do seu pai que parecia não chegar nunca. Ou de um táxi. De qualquer coisa. Corria atrás da ajuda dela mesma. Porque não é tão simples quando a corda aperta seu pescoço.
Falam de religião. E quem explica o que é o departamento de oncologia da santa casa? Quem explica o hospital de câncer infantil do hospital das clínicas? Quem explica quando tudo é verdade demais?
E daí, o garoto perdeu a vida no trânsito de alguma maneira estúpida. O menino que viajou com a gente há um ano. Um garoto que poderia ter sido eu naquele acidente na Rebouças no dia que tudo resolveu ser errado. Tem pessoas que NUNCA vão saber como eu me senti quando não PUDE falar. Pior do que quando eu achei que não conseguiria. Eu consegui graças a tantas coisas. Mas, nenhuma delas foi o motivo certo. Não foi porque o motivo certo é só esse: eu posso morrer amanhã e eu gostaria que você soubesse.

Sinto que aqueles dias voltaram...


Um mês de paz é realmente muito para minha cabeça liberar.