quarta-feira, junho 27, 2007

TRÂNSITO


Debruçada na grade que separa a praça roosevelt dos carros. As vozes começam cada vez ficar mais longe e os carros cada vez mais perto. Um estacionamento com mais carros na linha dos meus olhos. E lá embaixo um desfile de vidas em um compasso manso. A vida daquelas pessoas em movimento. As vozes cada vez mais longe. Cada carro como uma gota do meu sangue. E o trânsito o compasso que transita esse líquido vermelho que engloba meu corpo.
Cada gota um carro. Cada carro uma história. Cada história uma vida ou cinco delas. Meus sentidos em um desfile do trânsito dessa cidade que eu transpiro pelos poros e espero nunca soltar. As vozes cada vez mais longe e eu quase posso sentir o sangue transitar. Meu coração cada vez mais rápido, minha cabeça cada vez mais cheia e no instante seguinte tudo se esvai e ficam os carros. O trânsito e a certeza de que ele não espera nada de mim. O sangue e o trânsito. Estou alheia. Não sou capaz de interferir em nenhum deles. Apenas uma espectadora dos seus passos.
Aquelas ruazinhas todas lá embaixo se cruzando. E todos eles iguais. Desde da pajero até a kombi. Todos iguais. Sem distinção de importância. Assim como o sangue. Tanto faz estar no cotovelo ou no coração. Sem a licença poética a importância é a mesma. Às vezes chego a acreditar que alguma veia na minha cabeça explodiu e só pode ser essa a explicação para essa dor insuportável. Tenho tido dores estranhas. Meu corpo apresenta sinais de cansaço visíveis mas eu não paro. O movimento é o meu combustível. Assim como o do trânsito. Não dá para parar. O que eu quero ainda está ali adiante e eu caminho. Entre passos largos e recuos estratégicos. Entre verdade e mentira. Sonho e realidade. Entre o que eu posso e o que eu tenho. Entre o possível e o impossível. Eu sempre pulo para o lado de lá. Debruçada naquela praça que sem um quê me dá um jorro de histórias. Como se eu já tivesse vivido parte daquilo e cada um daqueles botecos fossem velhos conhecidos. Aquelas ruazinhas e aquela vida toda ali dentro escondida. Entre toda a história e a verdade da vida das pessoas. Eu penso em vocês todos. Que estão ou estiveram aqui. Assim como o sangue. Ele muda o rumo mas nunca se perde. Vocês nunca vão. Afinal, "o passado é uma prisão", mas eu perdi a chave da minha. Tenho uma cabeça cheia de lembranças. E alguma saudades. Sinto falta de alguns de vocês. E no momento que tudo alcança esse marasmo chato. Penso em reviver meu passado. Mas seria como dar marcha ré no meio do trânsito das 6h da tarde. Não dá. Preciso ir para frente. E se você quiser. Caminhe até mim. Vamos por mais alguns passos juntos. Só mais alguns. Não prometo que por muitos. Não consigo prometer nada. A não ser quando o escuro esconde meu olhar mentiroso. Não dá. Eu não sei ser de ninguém. A minha liberdade é o que me prende. O meu 'umbigo particular'. Tem coisa demais para deixar alguém entrar aqui. Sou de quem pode comigo. E não vejo ninguém que possa. Não agora. Sigo entre o vazio das noites falsas e do meu silêncio necessário. Uma mentira entre o que aparento ser e o que sou. Entre o que acham e o que existe. Sinto muito, para quem vive de achismos baratos. Mas aqui não é o seu lugar. Se quiser tentar, lave as mãos e venha. Munido de palavras e sem as suas máscaras. Eu mantenho as minhas. Vamos rasga-las uma noite dessas e depois ver o que sobra. Entre álcool, música e uns cigarros. Meus textos em uma mesa de bar. E alguém cantando minhas mentiras, sem conhecê-las. Sinto a sua presença. Como se você estivesse por aí tão perdido quanto eu. Você que ficará aqui e depois fará companhia para eles. Os seus novos companheiros de passado. Mas enquanto isso. Quando você chega no presente? E de presente me traz uns sorrisos e um olhar tímido. Eu quero você. Aquele cara que eu vi ontem em um bar e nunca mais verei. Eu tenho o dom de me apaixonar por um olhar que nem era para mim mas cruzou os meus enquanto eu continuava a andar e o deixava a minhas costas. Quando tudo começa ser verdade?
Cansada. Com as minhas dores e as minhas mentiras. Vestida de verdade, maquiada de aparências falsas e bêbada de sentimentos. Sempre assim. Sempre.