Nada em vão
Acordou num pensamento súbito, levantou em idéias antes do corpo começar a responder, pensou em andar até lá ou só até o telefone onde teria a voz dele ainda sonolenta do outro lado. Pensou em falar, falar, falar. E depois fingir que nada daquilo era com ela. Porque naqueles dias não era ela.
Deixou o seu porto seguro pela insegurança de dias vividos de alguma forma. Trocou o seu olhar cúmplice por experimentos em outros. Largou a sua mão precisa pela imprecisão de gestos. Esqueceu as suas palavras sinceras pelas dúvidas de alguém. Trocou, largou, deixou em um canto esperando para quem sabe um dia, vivia em dúvidas desde então. Desde aquele momento o presente era uma dúvida. Queria ser ela e ser só dele, mas estava difícil largar a mão das possibilidades que outros davam quando encostavam em sua cintura e tentavam calar os pensamentos em um beijo. Era sempre em vão, porque a boca dela pensava na dele, e enquanto outros passavam, era ele que voltava. Porque ele colocava e tirava as suas coisas da porta mil vezes. Ameaçava sair e voltava. E ela voltava, porque não conseguia sair.
Um dia, sem explicação, aceitou os outros e foi. Viveu, até aquele dia, no qual acordou de súbito e pensou: "sem ele, meus dias são iguais, os outros são iguais, as surpresas deles não surpreendem, os beijos deles não aquecem, e as mãos não encontram as minhas que das dele fugia em piadas, sem ele eu tenho tudo, mas com ele o nada é sempre mais precioso".