quinta-feira, maio 29, 2008

Tecnicolor

Procurou teus olhos no meio da multidão. Enquanto todos falavam as mesmas coisas, riam das mesmas coisas e as piadas se repetiam como o mesmo, como tudo era calmo e simples, nada era complexo ou misturava os sentimentos, nem era capaz de trocar a razão de lugar. A razão dela nunca funcionou. Ficou na janela aquele dia contando as estrelas, guardando nelas os seus segredos, tirando delas o enigma que ele cria quando sorri. Sem ligar para o tempo lá fora, estar ali enquanto ele fazia qualquer outra coisa com o seu silêncio, com a solidão cheia de companhia que escolheu pra si, alguns livros, várias músicas soltas. Até que ele parou ao seu lado, sem a tocar, sem se tocar daquela mágica que cobria os fatos e o medo de qualquer depois insignificante naquele instante.

Eles falaram sobre coisas que não pensavam jamais falar. Tocando as coisas como faziam em sonhos. As luzes, fotografias, os risos, a cumplicidade, a trama em leveza juvenil seria um daqueles filmes com diálogos longos feitos em silêncios. Ele nunca quis saber quem mais foi 'você'. Um sentimento para não sentir. Uma vontade para não ser levada a sério. Um momento para sorrir da lembrança. Esquecerem onde tinham colocado a chave e sem querer ela estava presa ao seu lado, estaria se as palavras continuassem a faltar. Porque sempre soube que só a teria aquele que fosse capaz de calar e ter em silêncio sua compreensão. Mas já não reconhecia mais os seus olhos, o brilho dele abafado, as suas frases truncadas, as palavras faltando no incomodo, como se algo mais houvesse para ser dito e por um instante tudo fosse cortado, por um outro momento em paz que ele trocava pelos seus motivos. Acharam a chave e foi melhor ir e o deixar. Seria melhor, mais fácil, resolveria todos os problemas em um abandono. Largaria as mãos do nada para segurar lá fora a vida que a viveu por todos estes anos. Os anos que procurou em vão tanta coisa. Os anos que tanta coisa foi motivo para nunca parar. Através da janela as coisas agradáveis da Terra passavam pelos seus olhos separados pela distância da confusão de pensamentos desconexos, não foram feitos para fazer sentido ou descodificar a vida.Tocavam o mundo sem se preocupar com a forma de ser utilizado.

Quando a olhou nos olhos fez do silêncio música, aquela música que sabiam juntos qual era, e porque era. Cantou enquanto falava, traduzindo as palavras para enfim falarem a mesma língua.

- Mas você, mas você...
Você escreve tão belas palavras
Mas a vida não é um livro
O amor é uma desculpa para se machucar
E para machucar...

As reticências mudavam o giro do mundo, a janela, as estrelas, o silêncio. Foi quando ele perguntou.

- Você gosta de machucar?

Com a empolgação juvenil que pareciam ressurgir de todo aquele comodismo barato no qual ela se prendeu nos últimos meses, veio a confirmação que ele fazia em silêncio. Bastava olhar a história e os momentos de paz que haviam sido desperdiçados.

- Talvez, parece, é, eu gosto.

A envolveu em um abraço de compreensão e carinho de quem aceita a condição por um dia, uma noite, um fim selado com um beijo doce. Seria o fim do caos e da incompreensão dos outros e finalmente um começo para eles. Sorriu e disse:

- Então, me machuque.




música: lover, i dont have to love - bettie serveert ou bright eyes