Os outros
Revirava o apartamento atrás daqueles dias de paz e cumplicidade. Olhava para sua cama e via ele deitado enquanto ela se trocava. Olhava a sala e via ele sentado no sofá falando do céu e observando sorridente os hábitos dos vizinhos. Olhava a cozinha e era ali, ao lado dela na pia, que ele sorria enquanto ela estabanada fazia café.
Todo o apartamento tinha um daqueles detalhes que tanto tentou apagar. E todos os detalhes pediam para renascer. Ele pedia para voltar em mensagens sem nexo e com palavras turvas. O cheiro dele ainda em seu nariz, desde aquele abraço do qual não quis se desvencilhar.
Os dedos dele sempre a tocaram inocentemente nos lugares certos. Os beijos no rosto para quebrar sua resistência e as bocas encontrando-se no acaso. Aquele beijo anunciou o caos e o paraíso em um mesmo compasso.
Os olhos dele gostavam de correr o risco e ela se entregava devagar sem perceber, até aquele apartamento e todos detalhes, que não notará, ficarem grandes demais. Acordava e dormia com ele em corpo ou pensamento. Queria e de tanto querer o deixou partir. Perdeu enquanto acreditava possuir. Mas, no fundo, sabia que ele jamais ficaria sem um sinal. E ela escondia os sinais, fugia dos riscos, se guardava na fantasia e sorria sem graça das piadas dos outros.
Ficou com todos e sem ele, só depois notou: ele era os outros dela.